O Conselho Federal de Psicologia (CFP) alerta para os efeitos nefastos da Lei 13.840/2019 que modifica a Lei de Drogas (11.343/2006), sancionada nesta quinta-feira (6), pelo Governo Federal, permitindo a internação involuntária de usuárias(os) de drogas sem a necessidade de autorização judicial, reforçando o modelo de abstinência e das comunidades terapêuticas em detrimento da Política de Redução de Danos e dos Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (Caps AD).
A modificação na legislação é um retrocesso nas conquistas estabelecidas com a Política Nacional de Atenção Integral aos Usuários de Álcool e Outras Drogas, construída a partir da Reforma Psiquiátrica (Lei nº 10.216 de 2001), marco na Luta Antimanicomial ao estabelecer a importância do respeito à dignidade humana de usuárias(os) de drogas e pessoas com transtornos mentais no Brasil.
Com a nova Lei, a internação poderá ser solicitada por familiar ou responsável legal, servidora(or) público da área de Saúde, de Assistência Social ou de órgãos públicos integrantes do Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (Sisnad) e será formalizada por decisão médica.
O texto da nova lei também chama a atenção quando discorre sobre a internação voluntária, ou seja, quando a pessoa solicita a sua própria internação. A lei prevê a necessidade de uma declaração por escrito tanto para internação como para sua interrupção. Essa medida desconsidera o analfabetismo geral de 7% da população brasileira (esses índices são ainda maiores entre a população negra e de idosos), como também não inclui a necessidade de pessoas com distúrbios e deficiências que impedem ou dificultam a escrita.
“O texto da lei deveria definir que esta declaração poderia ser por escrito ou feita pela forma e pelo meio de comunicação que seja mais acessível, expressando de maneira inequívoca o desejo da pessoa”, afirma Biancha Angelucci, pesquisadora consultada. “Tal imprecisão da lei favoreceria discriminações sobre populações já vulnerabilizadas, em situação de rua, por exemplo”.
Segundo o presidente do Conselho Federal de Psicologia (CFP), Rogério Giannini, as mudanças foram feitas sem o devido processo de discussão, sem passar pelos Conselhos de Saúde e Conferências. “A profundidade destas mudanças devem passar pelo controle social, pois atingem diretamente as pessoas que são o interesse dessas políticas”, avaliou.
Em nota pública conjunta assinada pelo CFP e outras entidades por meio da Plataforma Brasileira de Política de Drogas, em 6 de maio de 2019, os coletivos chamam a atenção para “a previsão da internação involuntária pelo prazo de até 3 meses, sem o devido cuidado para que esse dispositivo não seja utilizado para o recolhimento em massa da população em situação de rua como forma de higienização das grandes cidades. Ademais, diferentemente do previsto na Lei da Reforma Psiquiátrica, também não atribui à família ou ao responsável legal o poder de determinar o fim da internação involuntária”.
O CFP tem atuado desde o início do processo legislativo do Projeto de Lei da Câmara (PLC 37/2013) – que depois foi aprovado pelo Senado Federal e sancionado nesta quinta-feira (6) – posicionando-se contrariamente ao que se pode considerar como falhas e retrocessos na orientação para uma efetiva política de drogas, de modo que esteja consubstanciada na garantia de direitos e na consolidação dos princípios constitucionais voltados para a saúde pública.